Como falar às crianças sobre a guerra1
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Como Falar às Crianças Sobre a Guerra?

Desde que começou a guerra na Ucrânia, é natural que te tenhas começado a questionar mais sobre como falar com as crianças sobre a guerra. A princípio, falar com os filhos sobre a guerra pode ser um assunto delicado para muitos pais e educadores, sobretudo quando se encontram também em stress. Mais abaixo, deixo-te também algumas dicas sobre como lidares com a tua própria ansiedade e stress face à guerra.

Entretanto, é fundamental perceberes que não podes e não deves educar de forma isolada do mundo. Eventualmente, por muito que te agrade a ideia do mundo ser justo e pacífico, tal não corresponde à realidade. E é para a realidade que pais e educadores positivos e conscientes educam, tendo na mira o desenvolvimento de competências socioemocionais na criança que a tornam resiliente, isto é, capaz de funcionar apesar das dificuldades.

Então, falar com as crianças sobre a guerra é fundamental e inevitável. As crianças têm o direito de saber o que se passa no mundo, e cabe aos adultos a responsabilidade de lhe transmitir a informação de forma calma e apropriada à idade da criança. Ainda mais, a forma como falamos pode tranquilizar ou assustar ainda mais a criança. Por isso, de seguida apresento-te 8 passos para falares com as crianças sobre a guerra, praticando a parentalidade positiva e consciente.

8 passos para falares com as crianças sobre a guerra

  1. Observa
  2. Reconhece
  3. Decide
  4. Ouve
  5. Valida
  6. Explica
  7. Age
  8. Cuida

mãe a falar com criança sobre a guerra

1. Observa

Antes de tudo, é importante prestares atenção à criança em causa. Concretamente, deves observar se ela mostra sintomas de ansiedade ou stress.

Muitas vezes, as crianças (sobretudo as mais pequenas) não sabem expressar as suas emoções através da linguagem, sendo que podes observar diretamente se a criança mostra alguma alteração no comportamento (por exemplo fazendo mais birras ou estando mais agarrada a ti), no sono, na alimentação, ou se queixa de dores de barriga ou cabeça, ou tem dificuldades de atenção ou concentração.

A propósito, podes ver outros sintomas de stress e ansiedade nas crianças nesta checklist da OPP (Ordem dos Psicólogos Portugueses).

Analogamente, observa-te. Ou seja, aceita as tuas próprias emoções e sentimentos em relação à guerra. Fazendo-o, tens mais probabilidades de conseguir transmitir segurança à criança. É natural sentir medo, tristeza, angústia ou raiva nestas situações. Ainda assim, é possível sentires-te assim e agir de forma positiva.

2. Reconhece

Reconhece o que se está a passar à tua volta em relação à guerra. Nota que a guerra está a acontecer neste momento e estamos constantemente a ser alvo de notícias que naturalmente impactam no nosso bem-estar emocional. Não é possível, nem desejável enterrar a cabeça na areia, como a avestruz. Se o fizeres, a criança que te observa poderá intuir que não tens como lidar com a situação e dessa maneira, ficar mais ansiosa.

Por outro lado, reconhecer não implica sujeitares-te (ou à criança) à exposição a notícias o tempo todo. Demasiada informação e informação não fidedigna pode aumentar muito os teus níveis de ansiedade e stress, por isso escolhe momentos específicos no dia para assistires a notícias, em vez de estares constantemente à procura delas, lendo, vendo ou ouvindo-as a partir de fontes alarmistas ou pouco credíveis.

3. Decide

Portanto, é fundamental que possas decidir quando vais falar com a criança acerca da guerra. Assegura-te que o fazes num espaço seguro e tranquilo e que tu estás também a sentir segurança e tranquilidade. Para que isso possa acontecer, decide também qual é a mensagem chave que pretendes passar à criança sobre a guerra.

Sugiro que te foques nos valores que são fundamentais para ti. Ou seja, esta pode ser uma excelente oportunidade para educares para a paz, para a compaixão e para a empatia. Então, decide: qual a mensagem que pretendes que a criança aprenda do que está a acontecer?

4. Ouve

Anteriormente a falares sobre a guerra em si, sugiro que ouças o que a criança já sabe sobre o assunto. Poderás por exemplo perguntar-lhe “o que sabes sobre a guerra?” ou “o que te preocupa na guerra” ou mesmo “como te sentes em relação à guerra”. Inegavelmente, importa que dês espaço à criança para ela perceber que pode falar contigo sobre o que pensa e o que sente.

Eventualmente, poderás notar um impulso para aliviar o sofrimento emocional da criança, dizendo algo como “não chores”, “não tenhas medo”, “não te preocupes”, “não te sintas assim”, etc. Contudo, lembra-te que ao fazeres isto, não estás de facto a permitir que a criança expresse o que lhe vai na alma. E neste momento, é muito importante que ela saiba que pode contar com a tua atenção plena.

Simplesmente, ouve até ao fim sem interromperes e faz perguntas, mostra abertura e curiosidade. Isso irá abrir canais de comunicação, em vez de os fechar.

5. Valida

Enquanto ouves, valida aquilo que a criança te diz e a forma como se sente. Podes fazer isso com palavras, dizendo coisas como “estou a ouvir”, “entendo como te sentes”, “estou a ver”, “isso parece difícil para ti”, entre outras mensagens curtas e claras, para não interromperes a criança. Igualmente, podes validar o que a criança diz com a tua comunicação não verbal, olhando-a nos olhos, acenando a cabeça, inclinando-te para ela ou mesmo eventualmente tocando-lhe a mão ou os ombros de forma tranquilizadora (se tiveres essa relação com a criança e ela gostar do toque).

Também importa que valides o que tu estás a sentir enquanto ouves a criança. Poderás comunicar algo acerca disso “sinto muito que te sintas assim”, “quero ajudar-te a lidar com isto”, “estou aqui para ti”, etc.

6. Explica

Decerto que deves conhecer a criança que está à tua frente e saber o que ela pensa e sente sobre o assunto. E se não souberes, pergunta, volta ao ponto 4. A partir do momento em que conheces aquela criança em particular, será mais fácil para ti adequares a tua linguagem.  Contudo, há alguns princípios básicos que importa que tenhas em consideração, tais como:

a) Regras básicas e gerais da comunicação:

  • mantém as tuas mensagens curtas e claras.
  • dá informação adequada em termos de linguagem e de quantidade ao desenvolvimento e entendimento da criança.

b) Comunica sobre o que pensas e sentes:

  • se tens dificuldade em explicar o que é a guerra, podes dizer isso mesmo, que é difícil para ti explicar e que vais fazer o teu melhor. Podes dar exemplos à criança de conflitos que aconteçam na escola, com os colegas ou com os professores e explicares depois que a guerra é um desentendimento entre os países que estão envolvidos, em que é importante chegar a uma solução de forma pacífica, ouvindo e compreendendo as necessidades de ambas as partes.
  • responde às perguntas da criança com a tua verdade; se não souberes responder, diz “não sei” e caso seja adequado, poderás procurar informação depois (envolvendo até a criança nessa procura, caso ela tenha maturidade para tal).

c) Foca-te no conteúdo que é importante explicar:

  • foca o discurso na compaixão, interajuda e procura da paz.
  • sublinha que há muitas pessoas que estão a tentar resolver o conflito e a procurar estabelecer a paz.
  • espalha compaixão, não rotulando as pessoas como boas ou más e não apoiando a discriminação.
  • reforça que toda a gente merece estar segura e viver em paz.
  • dá exemplos de coisas positivas que as pessoas estão a fazer no contexto da guerra para apoiar as pessoas.

d) Outros aspetos a teres em conta:

  • limita a quantidade de notícias que a criança vê (se for pequena e não via ainda noticiários, evita que veja, para que se possa proteger de imagens violentas; se a criança já é mais madura e já via noticiários, ainda assim atenta à quantidade de notícias e aos meios que as difundem, evitando o excesso de informação e a violência das imagens).
  • quando estás a falar sobre a guerra perto da criança, toma atenção ao que dizes e como dizes. As crianças são muito observadoras e contam contigo como exemplo para saberem lidar com as próprias emoções. O que dizemos e fazemos são importantes pistas para as crianças. Então que sejam exemplos positivos e compassivos, promotores da paz.

Por conseguinte, a OPP (Ordem dos Psicólogos Portugueses) tem um folheto com várias indicações a ter em conta para falar com as crianças sobre a guerra, que poderás ver aquiTambém podes espreitar o artigo da UNICEF “How to talk to your children about conflict and war: 8 tips to support and comfort your children“.

7. Age

Porquanto o simples facto de fazer algo quanto ao que se está a passar pode ajudar muito a lidar com a ansiedade. Podes ajudar a criança a lidar com as suas emoções de várias formas:

  • Fazendo desenhos sobre a paz
  • Escrevendo textos ou poemas sobre a paz
  • Brincando ao faz de conta da paz
  • Procurando exemplos positivos de pessoas que se encontram a ajudar outras
  • Gravando um vídeo de apelo à paz
  • Participando em angariações de bens essenciais para as pessoas refugiadas, etc.

Enfim, agir perante o problema ajuda-nos a estar em sintonia com a nossa natureza compassiva e a sair das “histórias” que a mente faz, muitas vezes catastróficas. Passar à ação é uma forma de sentir algum controlo sobre a situação, apaziguando a incerteza.

8. Cuida

Conforme já abordado, é muito importante que te sintas bem, pelo que praticar o autocuidado é fundamental. Trata do teu bem-estar social e emocional. Fala com amigos e família sobre os teus receios, mantém as tuas rotinas, limita as notícias que vês, garante momentos de lazer, entre outras coisas, que poderás ler de forma mais aprofundada no documento elaborado pela OPP (Ordem dos Psicólogos Portugueses) sobre como gerir as emoções e sentimentos em situação de crise.

Da mesma forma, cuida do bem-estar da criança: pratica exercícios de respiração e de relaxamento com a criança. Poderás encontrar nas práticas de Mindfulness uma preciosa ajuda. Se queres saber mais sobre o Mindfulness e como o podes praticar, lê os artigos que escrevi neste blog “MINDFULNESS? O QUE É QUE EU GANHO COM ISSO?“, “MEDITAR NÃO É PARA MIM! AINDA POSSO PRATICAR MINDFULNESS?”, e “7 ATITUDES MINDFULNESS PARA PRATICARES NO DIA-A-DIA. SEM TE SENTARES PARA MEDITAR!“.

Em suma, deixo-te abaixo alguns recursos para falares com as crianças sobre a guerra e/ou para gerires as suas emoções nesta situação.

Recursos para falar com as crianças sobre a guerra

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Sónia Araújo

Psicóloga Clínica | Facilitadora de Parentalidade Positiva e Consciente/Mindful Parenting | Certificada em Inteligência Emocional | Fundadora M’BE

 

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