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MEDO PARA QUE TE QUERO?! [dicas para lidares com o medo em tempos de pandemia]

Esta semana quero falar-te um pouco sobre o medo, esse teu amigo que possivelmente te tem acompanhado de uma forma mais evidente nestas últimas semanas.

Provavelmente, gostarias de não sentir medo, porque o teu cérebro é igual ao meu, e o cérebro humano tem uma preferência acentuada por sensações agradáveis. E convenhamos, ser agradável não é propriamente o caso do medo, concordas? Bem, a menos que estejas a pensar em andar de montanha-russa, ver um filme de terror ou outra atividade que faças com o propósito de causares a ti próprio/a esta experiência de sentir medo. Caso contrário, quando se trata de algo que não controlas, provavelmente não gostas de sentir medo, tal como eu. 

E no entanto, o medo é um dos teus melhores amigos neste momento que vivemos. Se não fosse o medo, já estaríamos (espécie humana, entenda-se) extintos desde o homem das cavernas. Consegues imaginar a tragédia que seria para a nossa espécie (que não é propriamente afortunada em termos de resistência, força e velocidade) se o homem das cavernas tivesse achado piada a aproximar-se de um leão, por exemplo? Pois… provavelmente não estaríamos cá para contar a história. 

O que te quero dizer com isto é simples: o medo é uma emoção fundamental para a nossa sobrevivência. Isto significa que precisamos de uma certa dose de medo para podermos continuar vivos. Esta emoção pode ser desagradável de sentir, mas é ela que prepara o organismo para reagir face ao perigo: lutando, fugindo ou congelando. E é muitíssimo importante que ela esteja presente quando a ameaça é real: perante o risco de te contaminares com coronavírus, por exemplo. Se não tiveres medo e achares que tu não estás em perigo, provavelmente irás continuar o teu dia-a-dia como se nada tivesse mudado, e neste momento, esse é um grande comportamento de risco. 

É claro que às vezes podes perceber que o medo não te está a ajudar. Mas convido-te a prestares atenção às situações em que isso acontece. Será que estás mesmo a reagir à situação nesses casos em que o medo é excessivo e até se pode transformar numa resposta de pânico, que atrapalha mais do que ajuda? Ou será que estás a reagir não à situação presente, mas sim a pensamentos que estão a invadir o teu cérebro em catadupa? Presta atenção ao que está a acontecer, porque o meu palpite é que quando o medo toma conta de ti a ponto de perderes a orientação e capacidade de responder, é porque estás a reagir a uma ameaça que está não na realidade, mas sim na tua forma de interpretar a realidade.

E não, não estou a sugerir que estejas a roçar a loucura. É que a nossa mente funciona assim mesmo. No centro do nosso sistema límbico, no cérebro, há uma estrutura, a amígdala, que tem por função dar o alarme quando deteta um perigo. É uma espécie de botão de alarme. Muito importante para a sobrevivência, porque quando a amígdala toca, o hipocampo começa a produzir cortisol para o sistema. O cortisol é a hormona do stress, e é o que prepara o organismo para uma das três respostas previstas pela nossa natureza de mamífero para lidar com o perigo: luta, fuga ou congelamento. É essa resposta que nos vai ser essencial para reagirmos apropriadamente à situação. No entanto, essa resposta é útil quando estamos a reagir a uma situação de real perigo, mas tende a ser pouco útil ou mesmo dificultadora quando estamos a reagir a uma situação hipotética, que é o mesmo que dizer, quando estamos a confundir um pensamento com uma realidade. E olha que isso acontece a toda a hora, a toda a gente. É a natureza da nossa mente. Não temos culpa desta arquitetura cerebral, que não escolhemos, mas é assim que funciona. Infelizmente para nós, a nossa amiga amígdala não tem capacidade para perceber se o estímulo é real ou interno. Ela reage na mesma, com a mesma resposta. 

Recapitulando, quando a ameaça é real, a resposta da amígdala é adequada e necessária:  por exemplo, afastares-te de outras pessoas neste momento, para evitares a probabilidade de contágio pelo novo coronavírus. Contudo, quando a ameaça é interna (um pensamento), a resposta da amígdala não vai resolver nada, simplesmente porque não há um estímulo externo do qual possas defender-te fugindo, lutando ou congelando (nota que os humanos congelam de uma forma um pouco diferente de outros mamíferos – em vez de nos fingirmos de mortos, a maioria das vezes o nosso congelamento consiste em ficar a ruminar, ou seja, a pensar em demasia sobre determinados assuntos, o que só provoca maiores níveis de stress). 

De facto, quando se trata de ameaças internas (que podem ser imagens, pensamentos, preocupações, antevisões do futuro, recapitulações do passado, entre outras) o que o cérebro faz através do neocórtex (onde temos a capacidade da linguagem nos ajudar a ter raciocínios lógicos – tão bons para resolver outras coisas práticas do dia-a-dia) é produzir ainda mais pensamentos, enredando-se numa malha intrincada que às duas por três, já podia ser uma verdadeira produção cinematográfica! Enredamo-nos em histórias da mente, sem nos apercebermos que os pensamentos são apenas produções mentais, confundindo-os com a realidade e aumentando o medo para níveis disfuncionais e de alto sofrimento, e aí começa o nosso problema. E sabes, cada vez que o cérebro deteta um problema, vai tentar resolvê-lo, e aí então temos o caldo entornado, pois entramos numa espiral em que estamos de tal forma fusionados com os pensamentos, que deixamos de ver com clareza o que é real e o que não é. 

Pois, parece um beco sem saída ou uma pescadinha de rabo na boca, verdade?… então, o que podes fazer para lidares melhor com o medo numa altura em que até faz muito sentido e é muito útil para a tua sobrevivência que o tragas contigo em permanência?

Deixo-te aqui algumas dicas, com a intenção de te ajudar a lidar com esta emoção tão poderosa, mas que não queremos que seja avassaladora:

1 – Trata o medo como se se tratasse do teu melhor amigo. Imagina-o como alguém que veio para te avisar de um perigo que corres. Se tivesses um amigo a avisar-te de algo importante para ti pelo telefone, o que farias? Desligarias o telefone na cara do teu amigo? Iniciarias um debate com ele para o fazeres ver que ele está errado? Por outras palavras, fugias ou lutavas com o teu amigo? Ou deixava-lo falar e não dizias nada, congelando? Talvez pudesses fazer uma qualquer destas alternativas, mas se o teu amigo te está a avisar de um perigo real, sugiro que apenas o ouças e lhe agradeças o cuidado que tem contigo. Ao sentir-se ouvido, ele não vai ter necessidade de berrar mais alto para que o ouças, pois não? Quando percebes que estás a fazer-te entender, isto deixa-te com maior tranquilidade e não tens necessidade de elevar o tom nem de repetir inúmeras vezes até que te ouçam, pois não? Com o medo é a mesma coisa. Ouve-o e agradece. Não tens de fazer tudo o que ele te manda fazer. Podes decidir o que faz sentido para ti e o que não faz, mas o facto de te conectares com ele vai deixá-lo mais tranquilo, por saber que cumpriu a sua função. A partir daí, confia nos teus recursos para lidar com a situação. 

2 – Localiza o medo no teu corpo. Onde o sentes? Nota as sensações desagradáveis e com as tuas mãos, alivia essa pressão, tensão ou desconforto, praticando um gesto autocompassivo, um toque que tenha como intenção apaziguar, acalmar.

3 – Faz três ou quatro respirações mais conscientes – isto é, presta atenção ao ar a entrar e a sair do teu corpo. A respiração e o corpo são sempre as nossas melhores âncoras para nos transportarmos e conectarmos com o momento presente, podendo desligar “a produção cinematográfica” da mente.

4 – Repara nos pensamentos que estão na tua mente, e relaciona-te com eles de uma forma diferente. Sem os tentares afastar ou evitar, repara apenas que são pensamentos, meras produções mentais, e permite que eles vão embora, assim como vieram. Aceita que não podes controlar o que pensas, podes apenas relacionar-te de uma forma diferente com o que pensas, não os tratando como se fossem realidades ou ordens e regras que tens de cumprir. Deixa que os pensamentos fluam, permite que eles passem pela tua mente como as nuvens passam pelo céu. 

5 – Pratica a oração da serenidade. Esta oração é para mim um poderoso mantra para afirmar a minha intenção de abrir mão de modificar coisas que não posso controlar e mudar as que posso. É para mim um excelente exercício para praticares a distinção entre as coisas que estão ao nosso alcance (por exemplo, neste momento, lavar as mãos com frequência e praticar o afastamento social) e aquelas que não podemos controlar (por exemplo, o comportamento dos outros ou a evolução da pandemia, ou ainda o que irá acontecer no futuro e o que poderíamos ter feito de diferente no passado). Uma boa dica é desde já prestares atenção ao facto de que qualquer coisa que tenha acontecido no passado ou que ainda não aconteceu, porque diz respeito ao futuro, não se pode modificar. E claro, nem todas as coisas que estão a acontecer no momento presente podem ser modificadas – há imensas coisas que realmente não controlamos. Por isso, espero que esta oração te ajude.  

Dizem que foi escrita por um teólogo chamado Reinhold que viveu entre 1892 – 1971, e é originalmente dirigida a um deus. Aqui permite-me que a modifique e adapte, para que a possas dirigir à tua consciência (e claro que se tiveres crenças religiosas, poderás optar por a dirigir à entidade que entenderes). Então cá vai a versão que te proponho:

Que eu possa ter serenidade para aceitar as coisas que não posso mudar

Que eu possa ter coragem para mudar as coisas que posso mudar

Que eu possa ter sabedoria para reconhecer a diferença entre elas.

Finalmente, podes ainda aproveitar para praticar outras dicas de Mindfulness, que te deixei em artigos anteriores:

Vai passando por cá. Vou falar-te mais sobre este e outros assuntos que te podem interessar.

Se te fez sentido e achas que pode fazer sentido a alguém, partilha este artigo. 

Até breve, boa semana!

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