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A PANDEMIA (IN)VISÍVEL – Felicidade, Sucesso e Abundância Financeira

Talvez seja impressão minha, por causa da minha profissão. Ou talvez não seja. Mas tenho cada vez mais a sensação de que há uma pandemia a crescer por aí, que assenta numa tríade infalível a convencer as pessoas de que têm um problema, quando muitas vezes isso não só não é verdade, como é a causa de vários problemas que vêm a seguir, por consequência.

Podem alguns argumentar que esta sensação, que me surge devido à quantidade gigantesca de publicações que me aparecem nas redes sociais, é fruto dos meus interesses e pesquisas. Mas isso não faz com que não exista, para mim e para outros que tenham interesses similares aos meus. Admito e acho possível que a quem não trabalhe nesta área, não esteja tão visível o fenómeno que aqui venho falar hoje. Ainda assim, ele existe. E estou certa de que haverá muitas pessoas que sabem do que estou a falar.

E não, obviamente que não tenho nada contra o desenvolvimento pessoal, muito pelo contrário. Sou é a favor da ética e do profissionalismo. Por isso, repugna-me o vender a ideia às pessoas de que têm um problema se não estão sempre felizes, se não têm milhares de seguidores ou likes nas redes sociais, se não têm dinheiro para as férias em Bali ou se simplesmente não têm um dom ou um propósito definido na vida. E claro que não se ficam por aqui estas pessoas e/ou empresas, que enchem a boca para se auto-designarem de agentes de desenvolvimento pessoal ou outros títulos mais pomposos, que muitas vezes se adquirem instantaneamente, qual leite em pó que se junta à àgua.

E se são ágeis a colocar problemas imaginários na vida das pessoas, são ainda mais criativos a inventar soluções. Soluções essas que seguem também uma tríade: caras, mágicas e fáceis de implementar.

Estas soluções são, claro está, produtos vendidos por estas pessoas e/ou empresas – habitualmente cursos, programas, certificações ou e-books que vêm transformar o mundo cinzento num arco-íris de cores magníficas e sempre brilhantes.

Quando comparamos esses produtos com outros, cujo preço é razoável ou tem validação científica, percebemos que são muito mais caros. E porquê? É que dizer que são caros é favor, são caríssimos, na realidade. Porque há quem acredite que se é caro, é porque é bom, e há quem se aproveite dessa crença para faturar, ao mesmo tempo que convence o consumidor que o valor do seu investimento (que pode ir até milhares de euros, em alguns casos) se deve ao facto de ali residir um segredo, que misteriosa e inexplicavelmente, só aquela pessoa e/ou empresa é que conhece. Estranho, não é? Pois.

 

São também soluções absolutamente mágicas, na medida em que prometem acabar com coisas que até hoje, ninguém conseguiu acabar, como o medo, a raiva, a indecisão ou a pobreza. A menos que haja alguma fórmula para transformar humanos noutra espécie qualquer, que não sofra e não viva neste mundo, isto é treta. Treta absoluta. Dizem-te que depois de investires naquele produto vais ser feliz, vais ser bem-sucedido/a, vais dar-te bem com toda a gente e toda a gente se vai dar bem contigo, não vais ter mais conflitos na tua vida, nem sequer contigo próprio/a, já que vais ficar mestre em resiliência, autodeterminação e autoestima. E claro que isso te vai trazer imenso sucesso em todos os quadrantes na tua vida, e, portanto, vais poder desbloquear a tua abundância financeira – vais enriquecer, já viste? Podes ter isso tudo por centenas ou alguns milhares de euros – afinal é barato, certo? Só que não.

E finalmente, estas soluções são fáceis de implementar, facílimas até. Dá vontade de questionar como é que ninguém se tinha lembrado até agora de propor esta solução. Habitualmente têm até uma sequência de poucos passos (que saberás depois de adquirir o produto), que te vão dar só porque a sua missão na vida é resolver os problemas dos outros e ajudá-los a ter uma vida repleta de felicidade, sucesso e abundância, como a deles. Et voilá, eureka!

Tudo certo, só há um “pequenino” pormenor: não dá para ser feliz o tempo todo, nem toda a gente vai ter sucesso, tampouco abundância financeira.

E não, não é porque tenhas crenças limitadoras que precises de desbloquear, é porque o mundo não é cor-de-rosa (perfeito, entenda-se): nem o exterior (conhecido por planeta azul), nem o interior (aquele que se parece com o miolo da noz, mas que é na realidade o nosso cérebro). Pois, e além disso o mundo nem sequer é justo e, embora haja a crença difundida de que coisas boas acontecem a pessoas boas e coisas más acontecem a pessoas más, isso não corresponde à realidade, é apenas, como dizem os ingleses, wishful thinking. E mesmo que fosse justo, ainda assim teríamos de lidar com o outro mundo: a nossa mente, que não está desenhada para sermos felizes o tempo todo – teríamos de abdicar do neocórtex cerebral, da linguagem e também não poderíamos morrer. Só assim se justificaria não ter emoções ditas “negativas”, que nos protegem e garantem a nossa adaptação e sobrevivência da espécie, essas sim, com provas dadas ao longo da evolução do ser humano; sim, teríamos de ser imortais para podermos prescindir de emoções desagradáveis. Mas não me quero repetir; já escrevi sobre os motivos pelos quais sofremos e o que podemos fazer para sofrer menos aqui no blogue.

Na minha perspetiva, o grande problema, é que há um aproveitamento da vulnerabilidade humana para fazer render negócios que dependem do “achismo” das mentes “brilhantes” que propõem estas soluções caras, mágicas e fáceis para garantir algo que não pode ser garantido: a felicidade, o sucesso e a abundância.

 

E a questão não se prende (apenas) com o dinheiro que as pessoas investem em produtos milagrosos. Se fosse só isso, o dano seria apenas material. O problema é que além dos danos materiais, há os outros, os relativos à saúde mental. Muitas vezes, estes “profissionais” vão mexer na caixa de pandora, que é como quem diz, vão à procura das vulnerabilidades das pessoas, para lhes mostrar que a sua solução/produto é mesmo necessário e mexem em feridas que depois não sabem como curar, porque não são profissionais de saúde mental. As consequências disso podem ser gravíssimas: incentivar as pessoas a darem verdadeiros “saltos de fé”, fazendo-as acreditar que terão os recursos necessários para alcançar a supremacia, pode significar um salto para o vazio ou para o abismo. E a seguir vem a doença mental ou o seu agravamento, no caso dos que já estavam doentes e acreditaram ver ali a solução para o seu sofrimento.

Acredito que isto nada tem a ver com inteligência (ou falta dela), mas sim com vulnerabilidade e sofrimento de quem procura estas soluções. Todos nós passamos por momentos difíceis na vida. Momentos em que há perda, em que há luto, em que há insegurança, doença, dificuldades financeiras, problemas familiares ou laborais, etc., etc., etc. Faz parte da vida. Portanto, ninguém está imune a esta pandemia. E a vacina para este vírus social passa pela informação, pela capacidade de reconhecer os sinais de que a suposta cura pode ser, na verdade, um grande embuste e um problema ainda maior.

Então, deixo-te aqui alguns sinais que tenho vindo a notar que são denominadores comuns:

– as soluções propostas sugerem que vais ter resultados magníficos;

– as soluções propostas são antecedidas por histórias pessoais de quem as propõe, que habitualmente é uma história que começa com uma série de desgraças e culmina com um desfecho incrível e fora do comum (por exemplo, a pessoa agora tem um relacionamento perfeito, ou enriqueceu);

– as soluções propostas têm uma fórmula ou receita, habitualmente com um número pequeno de passos a cumprir;

– as soluções propostas oferecem certificação na área (que quando vais a ver, não é acreditada pelas entidades competentes para o efeito);

– as soluções são propostas por alguém que se assume como figura pública, mas tu não consegues aceder ao currículo da pessoa, nem às suas habilitações académicas e/ou profissionais.

E provavelmente haverá outros indicadores que ainda não percebi. Se encontrares alguns destes, sugiro vivamente que faças uma pesquisa para averiguares com quem estás a lidar se adquirires estes produtos.

Espero que este artigo de opinião te possa ser útil e te ajude a separar o trigo do joio. Na dúvida, pergunta primeiro. Sou uma apaixonada por saúde mental e desenvolvimento pessoal, mas acima de tudo o trabalho nesta área tem de ser feito por profissionais – sob pena de causar muitos danos na vida das pessoas.

Vai passando por cá. Vou falar-te mais sobre este e outros assuntos que te podem interessar.

Se te fez sentido e achas que pode fazer sentido a alguém, partilha este artigo.

Até breve, boa semana!

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