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A palmada pedagógica existe?

Este é um tema ainda bastante polémico. E este é um artigo de opinião de uma mãe, psicóloga e facilitadora de parentalidade positiva e consciente.

Para mim, há neste termo, uma grande confusão. Que vem do facto de assumir que uma palmada pode ser pedagógica. E não pode. Simplesmente porque a pedagogia não é violenta nem se socorre da força ou poder na relação para educar.

Mas haverá quem contra-argumente, desde logo:

“Não se trata de espancar a criança. Há palmadas e palmadas. As palmadas dadas ao de leve, aquelas de espalhar o pó, essas são as pedagógicas. Porque não magoam. E uma palmada na hora certa…”

Concordo, em parte. Há palmadas e palmadas. Diferem muito na intensidade. Acredito que não diferem assim tanto na intenção, que muitas das vezes, será educar, disciplinar. Não acredito é que seja pedagógica. Não no sentido em que entendo a pedagogia. Também não acredito que quem dá uma palmada a uma criança não esteja em condições de a educar ou seja benéfico para essa criança ser retirada do seu ambiente familiar, por violência doméstica. Tudo depende da frequência, intensidade e gravidade de cada situação, e não quero aqui generalizar.

Apenas quero chamar a atenção para uma reflexão: quando alguém usa a palmada como estratégia para educar uma criança, está a educar, claro, porque a educação passa-se pelos ditos e não ditos, pelas atitudes e pelos valores subjacentes, e não apenas por aquilo que está correto. Se o “olha para o que eu digo e não para o que eu faço” resultasse mesmo, que fácil seria educar, concordas comigo?

Acredito então que a palmada educa. Não sei se educa no sentido que tu desejas. Mas educa, porque ensina pelo menos duas coisas:

– É legítimo usar a força quando não concordas ou não gostas do comportamento do outro e não sabes o que fazer quanto a isso, ou simplesmente recusas-te a aceitar isso.

– Nas relações, quem usa a força é o elemento mais forte dessa relação e por isso tem mais poder.

E é por estes dois motivos que não acredito que existam palmadas pedagógicas, já que não há nenhuma pedagogia que defenda o uso de violência ou poder.

Poderás estar a pensar que também tu levaste palmadas e sobreviveste. E eu pergunto: queres mesmo limitar a relação com os teus filhos à sobrevivência? O que acontecia contigo quando levavas uma palmada? Duvido que pensasses “foi merecida, ainda bem que me bateram”. Podia não te doer fisicamente, mas as palmadas doem sempre. No corpo ou na alma, doem sempre. E numa relação parental doem a ambas as partes: a quem as dá e a quem as recebe.

Pergunto-te se em vez de palmadas, críticas, gritos ou ameaças, soubesses como disciplinar os teus filhos de forma harmoniosa e pacífica, não preferias? Se conseguisses encontrar em ti outros recursos, que te permitissem manter a calma e ensinar a criança a perceber que aquele comportamento não pode acontecer, não preferias?

E se eu te disser que abdicando dessa postura de poder e desigualdade na relação com os teus filhos tu e eles se irão sentir melhor, mais seguros na relação e mais respeitados? E se tiveres consciência de que optares por teres uma relação de respeito e igual valor estará também a educar as tuas crianças para serem adultos capazes de regularem as suas emoções sem partirem para a violência?

Será assim tão útil a criança sentir que os seus pais ou cuidadores, pessoas de quem depende para sobreviver e que vem preparada biologicamente para amar incondicionalmente, podem usar castigos e palmadas para a educar? O medo que estas estratégias provocam é puro veneno na relação parental. E, se leste este artigo até ao fim, estou certa de que não é isso que queres fazer ou obter.

As neurociências mostram-nos claramente os efeitos nocivos da violência no desenvolvimento cerebral e como o medo e o stress podem prejudicar a autoestima e autoconfiança da criança.

Poderás ainda estar a pensar que, quando mais nada resulta, a palmada é a única solução.  E aqui também te quero perguntar: como assim, resulta? Resulta em quê? Provavelmente ajuda a parar o comportamento indesejado no momento imediato. Ou não, depende da criança. Há crianças que se vão encolher e obedecer, com medo (volto a perguntar, é mesmo isso que queres, ou queres respeito?) e outras há que vão retaliar (batendo de volta ou fazendo algo igualmente indesejado e agressivo). Mesmo quando “resulta” a curto prazo, relembro-te das consequências a médio e longo prazo. E não me refiro apenas às consequências que a tua relação parental vai sofrer. Refiro-me também às consequências que a aceitação e normalização do uso do poder terão na relação que os teus filhos vão desenvolver com os outros.

E sim, é possível educar sem punir. Para que na relação com os teus filhos não entre o medo, apenas o amor.

Vai passando por cá. Vou falar-te mais sobre este e outros assuntos que te podem interessar.

Até breve, boa semana!

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